Tudo Bem Não Ser Normal

Uma Jornada Sensível, Visualmente Encantadora e Emocionalmente Profunda
Plataforma: Netflix
Gênero: Drama psicológico, romance, comédia dramática
Episódios: 16
Um dorama que vai além do romance
No universo vasto dos doramas coreanos, é comum encontrar histórias divertidas, leves e até formulaicas. Mas de tempos em tempos surge uma série que rompe o molde, desafiando o espectador com profundidade emocional, temas ousados e personagens que marcam. É exatamente isso que acontece com Tudo Bem Não Ser Normal (It’s Okay to Not Be Okay), uma das produções mais impactantes e emocionantes da Netflix nos últimos anos.
A série é muito mais do que uma comédia romântica com toques dramáticos. Ela se debruça sobre a saúde mental, os traumas da infância, as complexidades do cuidado familiar e o desafio de se aceitar como se é — e ainda assim se permitir mudar.
A história: dor, cuidado e transformação
A trama acompanha os irmãos Moon Kang-tae e Moon Sang-tae, que vivem juntos desde a infância. Kang-tae é enfermeiro em uma ala psiquiátrica, um jovem sensível e responsável que carrega o peso de cuidar do irmão mais velho, Sang-tae, que está no espectro autista. A vida dos dois muda completamente quando Kang-tae conhece Ko Moon-young, uma escritora famosa de livros infantis com personalidade difícil, transtornos emocionais e um passado ainda mais sombrio que o deles.
O que começa como uma relação tensa entre Kang-tae e Moon-young evolui para algo mais delicado e profundo. Eles não apenas se apaixonam — eles se curam. Ou melhor, aprendem a conviver com as feridas, respeitando os tempos e os silêncios um do outro.
Saúde mental no centro da narrativa
O grande diferencial da série é a forma como retrata temas de saúde mental com sensibilidade e sem sensacionalismo. Depressão, transtornos de personalidade, TEA (Transtorno do Espectro Autista), traumas familiares e transtornos de estresse pós-traumático são tratados com cuidado e empatia.
Cada episódio é quase como um capítulo de um livro de contos — muitos deles narrados pela própria Moon-young — e, por trás de cada história, há uma metáfora clara sobre os desafios mentais enfrentados pelos personagens.
A série não busca diagnósticos nem rótulos fáceis. Ela humaniza os conflitos, mostrando que nem sempre é possível “curar” tudo — mas que é possível caminhar ao lado da dor e encontrar afeto, apoio e espaço para existir.
Uma construção estética impecável
Esteticamente, Tudo Bem Não Ser Normal é um deleite. A direção de arte é rica em detalhes, as paletas de cores transmitem sentimentos (do cinza do hospital ao lúdico da mansão de Moon-young), e as transições entre o real e o imaginário são feitas com uma criatividade rara.
A série se vale de animações, stop motion e narração de contos infantis para reforçar seus temas. Essas passagens visuais não são apenas adornos: elas ampliam a experiência emocional, mergulhando o espectador no universo psicológico dos personagens.
A mansão onde vive Moon-young é um espetáculo à parte: sombria, silenciosa, opressora. Um reflexo claro de sua mente e de sua infância — e um dos cenários mais simbólicos do dorama.
Os personagens: falhos, fortes e profundamente humanos
Moon Kang-tae
Interpretado com sensibilidade por Kim Soo-hyun, Kang-tae é o típico “irmão mais novo que virou adulto cedo demais”. Sua vida gira em torno do cuidado com Sang-tae. Ele sufoca seus próprios desejos, medos e emoções, sempre priorizando o outro. Ao longo da série, vemos esse muro ruir lentamente, permitindo que ele se enxergue como um indivíduo, e não apenas como um cuidador.
Ko Moon-young
Seo Ye-ji entrega uma das performances mais marcantes da dramaturgia coreana recente. Sua Moon-young é intensa, imprevisível, direta — mas por trás dessa fachada existe uma criança ferida, sufocada por pais abusivos e negligenciada emocionalmente. Ela é o coração e a faísca da série, uma personagem difícil de rotular, mas impossível de ignorar.
Moon Sang-tae
Viver alguém no espectro autista exige pesquisa, sensibilidade e muito respeito. Oh Jung-se faz isso com maestria. Seu Sang-tae é, ao mesmo tempo, divertido, inocente, inteligente e profundo. Sua presença transforma o trio protagonista em algo único: uma “família escolhida” que se acolhe apesar das imperfeições.
Relações que curam
Muito além do romance, Tudo Bem Não Ser Normal é sobre relações que salvam. O afeto entre Kang-tae e Sang-tae não é perfeito — é repleto de culpa, frustração e sacrifício. Mas também é cheio de ternura, lealdade e cuidado genuíno. Já a relação entre Moon-young e os dois irmãos se transforma em algo terapêutico, ainda que cheia de atritos.
É uma série sobre espaços seguros, não porque são fáceis, mas porque são reais. O trio protagonista nos mostra que, mesmo com cicatrizes profundas, é possível encontrar consolo no outro — e, mais importante, em si mesmo.
Uma fábula para adultos
Cada episódio da série é estruturado como se fosse um conto — com título, moral e metáfora. Essa escolha narrativa transforma o dorama em algo quase literário. Os episódios abordam temas como:
- O lobo que não sabia amar
- A garota que não podia dormir
- O menino com asas partidas
- A bruxa que roubava vozes
Esses títulos são representações simbólicas dos personagens e de seus conflitos internos. É como se cada um deles estivesse escrevendo (ou reescrevendo) sua própria história, aprendendo a deixar de ser o vilão para se tornar o protagonista.
Pontos altos e cenas memoráveis
A série é cheia de cenas que ficam na memória. Alguns exemplos:
- O primeiro jantar tenso entre Moon-young, Kang-tae e Sang-tae.
- A cena em que Moon-young finalmente chora — sem palavras, mas com intensidade.
- A sequência dos fogos de artifício, em que o trio compartilha um raro momento de felicidade.
Esses momentos mostram como o roteiro sabe usar o silêncio, o olhar e os pequenos gestos para dizer muito.
Pontos fracos?
Embora a série seja bastante sólida, alguns espectadores podem considerar que o meio da temporada tem episódios mais lentos ou que repetem a mesma estrutura emocional. Além disso, os vilões secundários — como os pais de Moon-young — têm momentos um pouco caricatos.
Mas essas questões não comprometem a força da obra. Ao contrário: servem até como lembrete de que mesmo os contos de fadas têm seus exageros.
Conclusão: uma obra rara, sensível e corajosa
Tudo Bem Não Ser Normal é mais do que um dorama sobre romance ou saúde mental. É uma história de cura emocional, contada com beleza, humanidade e coragem. Não se trata de “superar” traumas, mas de aprender a conviver com eles — e a se perdoar.
A série é uma aula sobre empatia, autocuidado e aceitação. Fica a lição de que está tudo bem não ser normal, e que o mais importante é saber que não precisamos enfrentar a vida sozinhos.
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