Nove Peças – Crítica da 1ª Temporada: O Mistério Que Encanta, Mas Escorrega no Tom Excêntrico
A 1ª temporada de Nove Peças, disponível no Disney+, chega carregada de expectativas. A série sul-coreana combina suspense policial, um caso de assassinato intrincado e personagens que orbitam entre o trágico e o excêntrico. No papel, tudo soa promissor: um mistério bem construído, um elenco talentoso, uma direção experiente e um cenário narrativo repleto de jogos mentais, pistas camufladas e traumas antigos voltando à tona. Porém, na prática, a produção nem sempre aproveita o seu próprio potencial.
Apesar de entregar um enredo envolvente, algumas escolhas criativas, sobretudo relacionadas ao humor e à estética, acabam destoando do clima de thriller e afastando a série da intensidade que lhe caberia naturalmente. Nesta crítica, vamos analisar os pontos fortes e fracos da 1ª temporada de Nove Peças, destacando como a obra oscila entre ser um thriller de respeito e uma narrativa que em certos momentos perde o foco na própria essência.
O Contexto da Disney+ no Mundo dos Doramas
Nos últimos anos, a Disney+ tem investido em produções originais coreanas, numa tentativa de competir com plataformas que já consolidaram seu espaço no gênero, como a Netflix e a Prime Video. Apesar de alguns acertos, o caminho tem sido acidentado.
Antes de sucessos como Uma Loja para Assasinos, disponível também no Brasil, a plataforma enfrentou dificuldades com outros títulos, que não alcançaram retorno significativo. Isso gerou inclusive especulações sobre redução de investimentos no mercado coreano. Porém, com thrillers mostrando desempenho mais sólido, a empresa voltou a apostar no gênero — e Nove Peças faz parte desse movimento estratégico.
Com o respaldo de Yoon Jong-bin, diretor conhecido por seu trabalho em “Narcos-Saints”, a série surgiu como uma possível grande aposta da plataforma. Entretanto, embora apresente momentos de brilho, ela também enfrenta problemas que prejudicam uma experiência que poderia ser memorável em todos os aspectos.
Sinopse da 1ª Temporada
A série nos apresenta o caso misterioso que marca a vida da protagonista Yoon I-na. Quando jovem, ela encontra o corpo assassinado do próprio tio, Yoon Dong-hoon. O crime permanece sem solução, mas deixa consequências profundas para todos os envolvidos.
Um dos policiais responsáveis pela investigação inicial, o então novato Kim Han-saem, rapidamente desconfia da garota e, mesmo sem provas, nutre a convicção de que ela teria alguma ligação com o assassinato. O caso é arquivado, mas jamais esquecido.
Dez anos depois, I-na se torna uma criadora de perfis criminais, enquanto Han-saem permanece obcecado por desvendar o mistério. Um novo assassinato com características idênticas ao ocorrido no passado reacende a suspeita de que o homicida original esteja de volta — ou nunca tenha parado.
A partir daí, a dupla, marcada por desconfianças e mágoas, precisa trabalhar junta novamente. Entre peças literais deixadas como pistas, mortes sucessivas e um quebra-cabeça psicológico, a narrativa avança em direção a uma revelação impactante que promete surpreender os espectadores.
A Proposta Excêntrica que Divide Opiniões
O Tom Criativo do Diretor
De acordo com Yoon Jong-bin, o criador da série, a intenção não era seguir a fórmula tradicional dos thrillers policiais. Em suas próprias palavras, ele buscava uma atmosfera mais “peculiar” e “excêntrica” para destacar certos aspectos da personalidade dos personagens.
Essa decisão resulta numa mistura estética que pode soar curiosa, mas nem sempre harmônica. Ao tentar fugir do convencional, o diretor entrega uma obra que em muitos momentos parece indecisa entre o suspense sombrio e o humor estilizado.
O problema não é a tentativa de inovar, mas sim a forma como essa excentricidade se sobrepõe ao mistério — o que, inevitavelmente, enfraquece o impacto emocional das cenas mais importantes.
Um Exemplo Claro: O Retrato de I-na
A personagem Yoon I-na é descrita como neurodivergente, mas a produção não explora esse aspecto de forma adequada. Em vez de aprofundar sua subjetividade, seus traços são usados para reforçar uma “fofura excêntrica” que nem sempre combina com o que está acontecendo na história.
Em momentos cruciais, quando o suspense deveria dominar a cena, a série insiste em retomar o comportamento infantilizado da protagonista, quebrando o clima. Isso cria uma oscilação desconfortável entre drama e comédia involuntária.
A Estética que Desvirtua o Clima Policial
O visual da série, apesar de bonito, às vezes parece construído mais para compor um feed estilizado do que para servir à narrativa.
Han-saem, por exemplo, é apresentado como um policial rebelde, descuidado e alheio às aparências. No entanto, seu apartamento é tão estilizado e decorado que destoa completamente de sua personalidade. Algo semelhante ocorre com outros ambientes da série, que reforçam o tom excêntrico desejado pelo diretor, mas acabam interferindo no realismo da trama.
Outro ponto que compromete a atmosfera é a trilha sonora. Entre músicas tensas e faixas animadas que surgem em cenas sérias, a série por vezes soa confusa sobre qual emoção quer transmitir.
Quando “Nove Peças” Brilha de Verdade
Apesar das escolhas criativas controversas, a série entrega momentos realmente impactantes — e é aí que ela mostra seu verdadeiro potencial. Quando abandona a excentricidade e abraça o suspense puro, a narrativa se transforma num thriller instigante e de altíssimo nível.
O Mistério Bem Construído
A história é repleta de reviravoltas inteligentes. A cada assassinato, uma nova peça do quebra-cabeça surge, modificando completamente o entendimento dos personagens e dos espectadores.
Esse dinamismo mantém o público preso até o final. As teorias mudam a cada episódio, o que torna a experiência viciante e imprevisível.
A revelação do assassino é especialmente poderosa — ao mesmo tempo chocante e emocionalmente devastadora. Raros thrillers entregam um desfecho tão marcante.
O Trabalho Técnico e as Escolhas de Câmera
A fotografia neo-noir é um dos maiores acertos da temporada. A iluminação sombreada, os ângulos baixos e os closes nos objetos criam um clima angustiante que complementa perfeitamente o suspense.
Em cenas que retratam a reconstrução artificial dos assassinatos, o visual é particularmente impressionante. A tensão é palpável, e o uso simbólico da luz contribui para a imersão no mundo interno dos personagens.
Quando a série aposta nesse estilo mais discreto e intimista, ela atinge um nível cinematográfico digno de aplausos.
As Interpretações do Elenco
O elenco é um dos pilares mais sólidos de Nove Peças. Mesmo quando a narrativa vacila, os atores conseguem transmitir a profundidade emocional do enredo e manter o público investido na história.
Kim Da-mi como Yoon I-na
Kim Da-mi é uma atriz talentosa, e mesmo com as limitações impostas pelo tom excêntrico da personagem, ela entrega momentos intensos. Porém, sua performance poderia brilhar muito mais se o roteiro não a empurrasse constantemente para expressões caricatas.
Son Suk-ku como Han-saem
Son Suk-ku é um dos destaques da temporada. Seu personagem é complexo, teimoso, impulsivo e carrega mágoas antigas. A interpretação transmite bem a frustração e a obsessão do policial, conferindo realismo aos conflitos internos.
Park Gyu-young como Lee Seung-joo
Park Gyu-young, sempre muito elogiada em produções recentes, entrega uma atuação sensível e delicada como a terapeuta Lee Seung-joo. Sua personagem funciona como ponto de equilíbrio emocional na trama e contribui para aprofundar a história de I-na.
O Potencial que a Série Desperdiça
Se Nove Peças tivesse escolhido um tom consistente do início ao fim, poderia facilmente figurar entre os melhores thrillers policiais lançados nos últimos anos.
Contudo, sempre que a narrativa engrena e alcança seu ápice de tensão, o tom excêntrico reaparece, especialmente por meio de I-na e de escolhas visuais chamativas. Isso quebra o ritmo e tira um pouco da força do mistério.
Ainda assim, é importante ressaltar que a série não chega a ser ruim — pelo contrário, ela é boa e muito envolvente. O problema é que poderia ser excelente.
Quem Deve Assistir Nove Peças
A série é extremamente recomendada para quem gosta de thrillers com muitos elementos investigativos, reviravoltas frequentes e um assassinato central que se desdobra de forma crescente.
Fãs de produções como Você, Uma Loja para Assassinos e A Lição, disponíveis em streamings no Brasil, provavelmente vão gostar da combinação de mistério com tensão psicológica.
O enredo prende, o elenco é forte e a revelação do assassino vale a temporada inteira.
Por outro lado, espectadores que preferem narrativas 100% sérias podem estranhar o humor fora de hora e a estética exagerada.
Conclusão
A 1ª temporada de Nove Peças é um thriller que tinha tudo para se tornar um grande marco do gênero. Seu mistério é bem construído, suas reviravoltas são surpreendentes e o elenco entrega performances extremamente competentes.
Contudo, escolhas criativas voltadas para o “excêntrico” acabam gerando rupturas no tom da história. Ao tentar misturar humor, estética chamativa e suspense pesado, a série perde parte da força emocional que poderia alcançar.
Ainda assim, é uma produção instigante e com momentos brilhantes, capaz de envolver profundamente o espectador. Por isso, vale a pena assistir e tirar suas próprias conclusões.
Se você gosta de produções cheias de enigmas, personagens intensos e suspense psicológico, Nove Peças certamente merece um lugar na sua lista.
Share this content:


